MILITAR – TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR E A UTILIZAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS – REFORMA EM GRAU HIERÁRQUICO SUPERIOR

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Inúmeros Militares após ingressarem as Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – eclodem muitas doença durante plena prestação do serviço militar, muitas delas, a doença mental que vamos tratar neste assunto que é total e permanentemente incapacitante, que é o transtorno afetivo bipolar e a dependência química, por uso indevido de substancias psicóticas.

Aliás, se deve elucidar com melhor clareza alguns aspectos da doença, sempre escorado na melhor doutrina médica.[1]

Hierarquia e disciplina freqüentemente são confundidas com rigidez exacerbada, desmedida. Não é de hoje que se conhecem os excessos que o exército comete. Perseguições, punições exageradas, pressões morais, entre outros fatores, estão umbilicalmente ligados à eclosão de problemas psicológicos, tão comuns entre militares.

Alias, é sabido que no serviço militar o soldado é submetido a forte hierarquia e a pressões significativamente mais intensas do que as que experimenta no cotidiano da vida civil, dada a rigidez própria do meio, não se podendo desconsiderar tais fatores como causas determinantes para a eclosão, ou, ao menos, para o agravamento da moléstia mental, o que vem sendo sedimentado pela Justiça Brasileira.

Para corroborar, o próprio Exército, em seu site www.exercito.gov.br, no menu “INSTITUIÇÃO” e no subitem “A PROFISSÃO MILITAR” esclarece o rigor da profissão:

“A “Condição Militar”, internacionalmente reconhecida, em países desenvolvidos ou não, submete o profissional às exigências a que nos referimos, que não são impostas, na sua totalidade, a nenhum outro servidor que não militar.

Logo, a eclosão de doenças mentais em militares com estabilidade assegurada ou temporários se deve às condições do meio em que estes vivem. Um ambiente hostil, de constantes pressões e rigorismo excessivo.

O tratamento da doença é deveras longo e visa atenuar os efeitos, visto que, na grande maioria dos casos, a enfermidade não tem cura. Inclui-se no tratamento o acompanhamento médico e psicoterápico, a administração medicamentosa e internações em momentos de crise.

Dentre os medicamentos, o lítio é a medicação de primeira escolha, mas não é necessariamente a melhor para todos os casos. Freqüentemente é necessário acrescentar os anticonvulsivantes como o Tegretol, o Trileptal, o Depakene, o Depakote, o Topamax.

Nas fases mais intensas de mania pode-se usar, de forma temporária e associada ao lítio, antipsicóticos. Nas depressões resistentes pode-se usar, com muita cautela, os antidepressivos. Há pesquisadores que condenam o uso de antidepressivo para qualquer circunstância nos pacientes bipolares em fase depressiva, por causa do risco da chamada “virada maníaca”, que consiste na passagem da depressão diretamente para a exaltação num curto espaço de tempo.

O transtorno afetivo bipolar, por si, é uma doença grave, sendo que foi inclusive objeto de ação civil pública, em que ficou reconhecida a sua equiparação à alienação mental e motivo para a reforma Militar em Grau Superior, nos termos do Art. 110 da Lei 6880/80.

 ART. 110 – O militar da ativa ou da reserva remunerada, julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes do incisos I e II do ART. 108, será reformado com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa, respectivamente.

Este entendimento está mais do que correto. A pessoa acometida de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), quando no ápice do quadro depressivo ou eufórico (maníaco), é um risco para si e para as outras pessoas, sendo que, segundo Denise R. Marques, é a segunda maior causa de mortes no mundo, perdendo apenas para os acidentes automobilísticos.

Ora, se sozinho o TAB leva à Reforma Militar em Grau Superior, imagine-se o Militar que desenvolveu outras moléstias de cunho psiquiátrico pelo uso de substâncias psicoativas, que se deu justamente para tentar superar os sintomas da bipolaridade, o que só prejudicou sua enfermidade.

No que se refere à associação de paciente portador de Transtorno Bipolar e que utiliza indevidamente substâncias psicoativas, transcreve-se trechos do artigo publicado na Revista de Psiquiatria Clínica, intitulado Transtorno bipolar do humor e o uso indevido de substâncias psicoativas.” [2]

 O transtorno bipolar e o uso indevido de substâncias psicoativas são doenças com alto potencial de limitação de autonomia, tornando-se ainda mais sérios quando associados. O transtorno bipolar é a patologia do eixo I mais associada ao uso indevido de substâncias psicoativas.

A razão para os altos índices de uso indevido de substâncias em indivíduos com transtorno bipolar do humor é desconhecida. O uso indevido de substâncias psicoativas pelo paciente bipolar é extremamente comum e mais freqüente do que o observado na população geral (Kessler, 2004).

Tal associação é capaz de alterar a expressão, o curso e o prognóstico de ambas as patologias (Levin e Hennesy, 2004; Krishnan, 2005), mesmo quando o consumo de álcool e/ou drogas é considerado de baixo risco ou moderado (Os et al., 2002; Shrier et al., 2003).

 Sintomas depressivos podem predispor o uso de substâncias químicas (hipótese da automedicação). Podem também resultar de dificuldades socioeconômicas (desemprego, separações afetivas etc.) decorrentes de um consumo mal-adaptado (hipótese socioeconômica) ou serem decorrentes de alterações neuroquímicas (transitórias ou persistentes) produzidas pelo uso crônico ou pela síndrome de abstinência (hipótese neurotóxica).

Algumas evidências apontam que o transtorno bipolar geralmente antecede o uso indevido de substâncias (Kupka et al., 2001; Kessler, 2004).

A cocaína é utilizada mais comumente para manter ou potencializar o quadro de mania do que como “automedicação” dos sintomas depressivos (Crawford et al., 2003).

O indivíduo com transtorno bipolar do humor, que faz uso indevido de substâncias psicoativas, requer acompanhamento multidisciplinar especializado, de longa duração, preferencialmente em ambiente ambulatorial e supervisionado por uma única equipe profissional (NIDA, 2001; Department of Health, 2002).

 Além da previsão constitucional de proteção à vida e à saúde, o Estatuto dos Militares Lei 6880/80, reserva uma seção específica destinada a regulamentar situações de idade limite ou que decorram incapacidade, seja por acidente ou por doença.

E se está a falar do Capítulo II (Da Exclusão do Serviço Ativo), mais especificamente da Seção III (Da Reforma). Nesta seção, a parte concernente ao caso em apreço está regulamentada nos artigos 106, II, 108, 109, 110 e 111, todos do Estatuto dos Militares.

O inciso V do art. 108 traz as doenças que, por sua gravidade, ensejam a reforma do militar com qualquer tempo de serviço, ainda que não guardem nenhuma relação de causalidade com o serviço militar.

Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:

V – tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada;

Dessa forma, ressalta-se que a moléstia Transtorno Bipolar é uma doença grave, sendo que foi inclusive objeto de ação civil pública, em que ficou reconhecida a sua equiparação à alienação mental e motivo para a reforma militar em grau superior.

Nesse sentido, o entendimento da jurisprudência pacífica:

Em que pese restar evidenciado o nexo de causalidade entre a patologia apresentada pelo demandante e as atividades desempenhadas junto ao Exército, Marinha e Aeronáutica, cumpre referir que, quando da análise do direito do militar à reforma em grau superior, o atual entendimento jurisprudencial é no sentido da prescindibilidade do nexo causal entre a doença psiquiátrica e a atividade desempenhada, quando aquela eclode no período de prestação do serviço militar.

[1] Valentim Gentil Filho, médico e professor de Psiquiatria na Universidade de São Paulo. Entrevista disponível no site do Dr. Dráuzio Varela (http://drauziovarella.ig.com.br/entrevistas/valentim_bipolar6.asp)

[2] Autor: Ribeiro, M; Laranjeira, R; Cividanes, G. Fonte: Revista de Psiquiatria Clínica, vol.32 supl. 1, 2005, 78-88. Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/s1/78.html

Mário Julio Krynski

mario@krynski.com.br

Advogado

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